Por Juliano Gonçalves Pereira
Não suporto mais...
Ver meu corpo negro manchado de sangue pelas machetes dos jornais e estatísticas nacionais.
Ver minha virgindade sendo jogada no lixo nas principais rodovias deste país.
Ver meus irmãos mendigando crack nos semáforos e serem maculados como vírus, câncer que precisam ser eliminados do organismo social.
Será que não importamos para esse país? Ou melhor, será que ainda continuamos não importando para essa terra como fizeram com nossos antepassados escravizados na África e trazidos para o Brasil? Às vezes tenho a impressão que pouco importamos a quem tem a obrigação de combater tamanhas atrocidades...
Não bastaram quase quatrocentos anos de escravidão, e um legado de sermos o mais perverso país das Américas a explorar a mão de obra negra escravizada...
Um tempo hostil, injusto, desumano, apregoado de formas perversas e insanas que feriram todos os princípios dos diretos humanos universais. Temos ainda que nos deparar em pleno Séc. XXI com ações letais que continuam a matar e escravizar esse povo negro que trouxe o progresso brasileiro nos braços, pagando muitas vezes com a vida o enriquecimento dos colonizadores.
Não suporto mais, chega!...
Chega de assassinatos, chega de bala perdida que tem preferência para o jovem negro da favela, chega de erros médicos que acomete em sua grande maioria o corpo escuro da mesa hospitalar, chega de ilegalidade, se o aborto perigoso mata preferencialmente a jovem negra que não possui recursos para fazê-lo de forma segura...
Chega!
Serão 33 mil adolescentes que perderemos até 2012 segundo a UNICEF/UERJ, se não intervirmos logo... Poderá ser meu vizinho, o teu filho, ou o garotinho que joga futebol na rua no final da tarde... Poderá ser teu filho mãe negra, meu afilhado, meu irmão... Poderá ser eu!
Não suporto mais tamanha dor, de ver meu povo mergulhado na pobreza e nos piores índices sociais, imersos em ideologias perversas, alienadoras e mentirosas...
É muita injustiça, muita falta de sensibilidade e vontade política...
Meu BRASIL acorda! Estamos sendo exterminados, existe uma máquina de matar que cerceia ainda hoje 121 anos após 13 de maio 1888 a liberdade do povo negro brasileiro.
Eu não suporto mais, tamanhas mentiras nos programas de TV, não suporto mais minha história ser maculada, bagunçada, inferiorizada, estuprada, vendida, subalternizada, nas novelas...
Meu povo me ajude que não suporto mais!
Meu desespero é latente, sufocante e me deixa impotente...
Não bastou sufocar-nos e explorar-nos como mercadorias durante o período escravocrata? Não bastou retirar de meus antepassados escravizados, o direito da liberdade, da constituição de família, de ter sua própria crença religiosa?
Deixaram-nos de fora de uma Constituição entendida como cidadã, que privilegia mulheres (legítimo), índios (legítimo), portadores de necessidades especiais (legítimo), pequenas empresas brasileiras (legítimo), crianças e adolescentes (legítimo), mas esqueceram de também fazer alusão ao povo que foi escravizado, que foi impedido de estudar, de ter saúde gratuita, assistência social, de ser remunerado pelo trabalho, esqueceram de mencionar quem mais precisa desta constituição, e ainda hoje nos impedem deste direto, nos interpelando de inserir-mos na Carta Magna brasileira pelo Estatuto de Igualdade Racial, com seu texto original que garante inclusão de fato do povo negro. Não bastou sujar nossa mente com teorias de auto-negação, com a privação da educação na primeira constituição brasileira, de atos perversos e impunes que distanciaram meu povo da cultura de acreditar no poder do conhecimento, que faz com que crianças e jovens, espalhados nas periferias do Brasil tenham como única referência o tráfico de drogas.
Não bastaram as mentiras sobre nossa capacidade intelectual, agora querem nos impedir de entrar na Universidade com igualdade de oportunidades, salvos, reconhecidos e assinados por Declarações Universais...
Oxalá, chega! Eu não suporto mais...
Entender um país de controvérsias, viver em um solo manchado com o sangue inocente negro, perceber um aparthait singelo, mesquinho que direciona as pessoas na sociedade pela geografia de seu corpo...
Não posso deixar essa terra para minhas filhas e filhos, não posso permitir que esse modelo de sociedade se postergue por mais tempo, é muita injustiça, muita exploração, muita desumanidade.
Meu coração aflito grita desesperado por socorro... Escute-me, ouça Brasil!!! Ouça este teu filho negro que só deseja um solo seguro e igualitário para teus semelhantes, que continuam sendo explorados e devastados pelo racismo, pelo machismo e por todas as mais perversas formas de discriminação...
Escute Brasil seu filho, antes que uma bala perdida atinja seu corpo negro, antes que o capitalismo o embranqueça, antes que a necessidade por comida e sobrevivência assalte e roube sua auto-estima e seus ideais. Escute! Antes que retirem sua aparência Afroafirmada para não mais ser mau tratado, discriminado, inferiorizado nas portas dos bancos...
Meu Brasil, escute teu filho que está desesperado por não saber mais como se comportar diante tantas injustiças, que chora durante a noite por um irmão que fatalmente mata e outro que fatalmente morre; Por uma irmã, muitas vezes ainda criança que entrega seu corpo por R$ 5,00 (cinco), R$ 3,00 (três) reais quando não são espancadas por estes monstros ladrões e exploradores dos direitos humanos, “violadores do significado de humano”...
Não agüento mais ver tudo isso! Gritar tantas barbáries, chorar desesperado em meu canto, e simplesmente ouvir que eu deva ter paciência. Não agüento mais sentir tudo isso! Por favor façam alguma coisa, pois estou morrendo...
Juliano Gonçalves Pereira é Negro, Educador Físico, Escritor, Compositor, Pesquisador, Conselheiro Municipal de Igualdade Racial, Membro do Centro Cultural Capoeirando, Membro da Rede Lai Lai Apejo - População Negra e Aids, Membro da Rede Nacional de Controle Social e Saúde da População Negra, Membro do Movimento Negro de Montes Claros/MG, Diretor da Comunidade Terapêutica para Dependentes Químicos Emanuel, Representante Coordenador pelo estado de Minas Gerais do Fórum Nacional de Juventude Negra.
0 comentários:
Postar um comentário