quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Nota da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde contra os atos de intolerância religiosa

Nota da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde contra os atos de intolerância religiosa

Sabemos que as religiões ocupam importante papel político, social e cultural na vida das pessoas, influenciando a visão de mundo e maneiras de ser e agir na sociedade. Sendo reconhecida como um direito humano, as religiões encontram proteção no texto constitucional brasileiro, ao lado de afirmativas da laicidade do Estado, que terá a obrigação de proteger indivíduos e grupos para o exercício de suas crenças.

A intolerância religiosa vem crescendo no Brasil e em outras partes do mundo, e certamente tem várias origens. No caso das religiões de matrizes africanas, o papel central que o racismo tem na produção de suas tentativas de inferiorização soma-se a desigualdade social, a discriminação racial e de gênero, além do preconceito de classe e da homofobia.

A história mostra que muitos terreiros tiveram suas portas fechadas e seus objetos de culto quebrados. Exemplo disso é a invasão e destruição dos terreiros em Alagoas(Maceió), que ficou popularmente conhecido por Quebra de Xangô, em 02 de fevereiro de 1912, um violento episódio de perseguição aos Pais e Mães de Santo. Outro fato a destacar aconteceu no Rio de Janeiro ao longo de todo o século XX, principalmente na primeira metade, com a repressão policial aos terreiros e a apreensão pela polícia dos adereços e insígnias dos Orixás. Estes objetos estão sob a custódia do Museu da Polícia Civil do Rio de Janeiro, constituindo a Coleção Magia Negra, perpetuando uma memória viva de um dos aspectos da violência e de desrespeito à dignidade humana e a uma tradição religiosa.

Apesar de muitos fatos de intolerância serem relatados no passado, ela também se faz presente na atualidade e como exemplos vivos temos os casos de desrespeito aos terreiros de Salvador, como foi a demolição parcial do Terreiro Oyá Onipó Neto por funcionários da Superintendência Municipal de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (Sucom), a invasão e a quebra de imagens em um terreiro de umbanda no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, entre tantos outros que marcam o desrespeito a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Brasileira que garantem o exercício da prática religiosa e a liberdade de crença.

Destacamos aqui as declarações recentes do Sr. George Antoine, cônsul geral do Haiti em São Paulo no SBT Brasil: “Acho que de tanto mexer com macumba, não sei o que é aquilo. O africano em si tem maldição. Todo lugar que tem africano está fodido", mostra que a luta contra o racismo e a intolerância religiosa deve estar atualizada em nossa agenda e merece muita atenção principalmente nesse momento em que acabamos de discutir e preparar o III Plano Nacional de Direitos Humanos.

O episódio que acaba de acontecer com o Babalorixá Dyba de Iemanjá, na noite do dia 19 de janeiro, em Porto Alegre, em que foi impedido por motivos religiosos de dar uma entrevista tendo como única justificativa do apresentador da TV que o canal é luterano e portanto não poderia contemplar outras religiões ratifica o que todos e todas nós já sabemos sobre a constante utilização da televisão e da internet por diferentes grupos religiosos para difundir e praticar a discriminação e intolerância contra religiões de matrizes africanas e seus adeptos.

Contribuir para transformar esta realidade deve ser um compromisso de todas e todos, governos, segmentos religiosos e sociedade civil, para a construção de uma sociedade fundada em valores que fortaleçam o respeito à diversidade religiosa, aos direitos humanos e a uma cultura de paz.

Hoje, dia 21 de janeiro é o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa e certamente não temos o que comemorar, muito pelo contrário, temos que refletir, questionar, tomar posicionamentos e visualizar que ainda teremos de lutar muito para que as diversas formas de intolerâncias sejam coisas do passado e que os direitos sejam realmente garantidos para todas e todos, religiosos ou não.

É com esse olhar que a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde vem a público declarar sua indignação as iniciativas de desqualificação das religiões de matrizes africanas e de desrespeito a Constituição Brasileira que garante a todo cidadão e a toda cidadã o direito de exercer sua prática religiosa.

Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde

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