quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

SP 456 anos: Ativistas de ONGs paulistas entrevistam coordenador-adjunto do PM/DST/Aids, Celso Monteiro. “Cumprir com as funções do novo cargo implicará em ter escuta qualificada”, diz


A estrutura administrativa do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo conta desde o início deste ano com um Coordenador Adjunto para auxiliar as atividades de sua Coordenadora, Maria Cristina Abbate: Celso Monteiro, conhecido no movimento de aids como ‘Pai Celso’. “Cumprir com as funções do novo cargo implicará em ter escuta qualificada, canais de comunicação com os diferentes atores e segmentos, flexibilidade, atenção às demandas”, disse em entrevista à Agência de Notícias da Aids. Para comemorar os 456 anos da cidade de São Paulo nesta segunda (25), a redação selecionou seis perguntas de ativistas paulistas para o gestor responder. Os convidados foram Áurea Abbade, do Gapa de SP; Mário Scheffer, do Grupo Pela Vidda/SP; José Araújo Lima, da ONG Espaço de Prevenção e Assistência Humanizada; e Américo Nunes, do Instituto Vida Nova.

Redação da Agência de Notícias da Aids

Celso Ricardo Monteiro trabalha no Programa Municipal desde o início de 2009, período em que coordenou o setor de prevenção. No entanto, seu envolvimento na luta contra a aids já ultrapassa dez anos. Ocupando uma série de espaços de controle social representando diferentes organizações e movimentos sociais da área da saúde e especificamente da área de DST/aids. Ao longo dos anos, vem fazendo pontes entre diferentes movimentos e organizações, com vistas para a promoção e a humanização da saúde.

Iniciou seu envolvimento com a questão da aids quando era membro do Conselho de Participação e Desenvolvimento da População Negra no Estado de São Paulo nos anos 1990. As discussões naquele espaço mostraram que era preciso capacitar as lideranças de religiões de matrizes africanas para trabalhar no terreno da prevenção e da assistência às pessoas vivendo com doenças sexualmente transmissíveis e aids. Dessa necessidade surgiu a Organização Não-Governamental Grupo de Valorização do Trabalho em Rede (GVTR) que em 2001 passou trabalhar em cooperação com o Programa Estadual de DST/aids nas atividades com religiões afro-brasileiras. Atuando nesta área, no cenário político nacional, contribuiu ainda com a criação da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, organização que conta com representação em 20 Estados brasileiros, e com a criação da Rede Nacional de Controle Social e Saúde da População Negra.

Entre 2003 e 2005, Celso Ricardo foi representante dos usuários no Conselho Municipal de Saúde de São Paulo. No ano seguinte assumiu, representando os movimentos de luta contra a aids, a coordenação da Comissão Municipal de DST/aids da cidade, cargo que deixou ao assumir a função de Assessor Técnico do Programa Municipal.

Confira a seguir a entrevista.


Áurea Abbade, presidente do Gapa/SP - Na qualidade de afrodescendente, o senhor tem planos sobre trabalhos rituais religiosos que incluam o uso de navalhas? Incentivo do uso de navalhas descartáveis, por exemplo? Também tem planos de trabalho com população afrodescendente?

Celso Monteiro (CM) - O uso de navalhas nos rituais realizados nas comunidades tradicionais de terreiro foi ao longo de muito tempo uma importante discussão colocada no cenário nacional. É dispensável dizer que este é um tema que acompanha o estigma e a discriminação de que são vítimas os homossexuais. Como todos sabem o Terreiro foi historicamente, não apenas o espaço sagrado, mas também, o espaço-mãe de muitos homens, mulheres e jovens homossexuais e, como todos sabem, a errônea ideia de peste gay perpetuou-se ao longo e muito tempo, daí o surgimento da discussão sobre o uso da navalha em rituais de candomblé. Mas, a ampliação do debate sobre este tema, gerou convenções e envolveu diferentes atores que compõe o SUS e entre eles, grandes especialistas de diferentes áreas do conhecimento, que contribuíram e muito com a construção de novos caminhos, a luz das Normas de Biossegurança, o que fez com que os religiosos levassem em consideração que o risco estava presente no cotidiano do terreiro também. Era começo da resposta religiosa à epidemia de aids no Brasil. O Terreiro, diferente do que se imagina, não fechou-se ao debate, pelo contrário, juntou estas possibilidades de atuação conjunta com as mudanças internas que estavam acontecendo no conjunto das tradições religiosas afro-brasileiras. A aids por sua vez foi um dos fatores centrais neste processo de mudança, mas foi preciso aprender que mesmo nesta seara há competências que são do poder público e há questões que não. Com esta compreensão o Programa de aids de São Paulo se fez presente em momentos importantes desta história, acolheu a demanda posta pelos religiosos e criou uma possibilidade de trabalho conjunto, antes da minha contratação e, que vai além da navalha, já que esta é uma questão superada pelo próprio povo de santo. Foi tema de treinamento, curso, vários diálogos com o poder público no auge dos anos oitenta, quando o assunto era a morte dos religiosos nas dependências do Emílio Ribas, quando ninguém sabia ao certo, se os rituais fúnebres também facilitavam a infecção e, mais tarde voltou à pauta, quando o terreiro foi propor ao governo, um trabalho intensivo, na comunidade e que fosse direcionado não apenas, mas também para este tema. Com isso, os religiosos, que já conheciam os riscos e as formas de contaminação, foram questionar inclusive as navalhas usadas nos salões de cabeleireiro, já que elas não são diferentes das usadas nos rituais de escarificação e tonsura no ambiente religioso. Por conta disto, o uso individual é cada vez mais uma prática no novo e no antigo candomblé do Brasil, também por uma questão de princípios, que já estava colocada antes da epidemia de aids.

Com a compreensão que temos sobre gestão, na democracia republicana, é fundamental reafirmar a cada dia, a certeza de que o poder público deve gerar políticas para o todo da cidade, na sua real composição, sendo assim, o fomento, a elaboração, a avaliação e o monitoramento das políticas públicas de uma forma geral, e segundo o princípio da equidade, com atenção específica a determinadas populações, e neste caso, com foco na população negra deve estar garantido no conjunto das ações. Esta visão tem contribuído para que a relação entre Estado e sociedade civil, também tenha a oportunidade de ser revisada e retroalimentada. Portanto, um plano de trabalho para promoção da saúde, com foco na população afrodescendente, não pode ignorar o todo da cidade, as adversidades que existentes neste cenário, etc. Tem que estar pautado no reconhecimento de que as relações étnico-raciais são determinantes para a atenção e a promoção de saúde e, não existe gestão sem diálogo com movimento social. Assim, as chamadas organizações negras, as comunidades tradicionais de terreiro, as irmandades e todas as lideranças políticas com atuação nesta área, devem ser reconhecidas como parte desse processo e, ao invés de porta-voz, a voz desta população deve ser ouvida. Tenho buscado atuar no conjunto das interfaces, de forma que as pessoas sejam reconhecidas como sujeitos de fato e não apenas de direito, o que está é claro, conectado ao protagonismo, ao desenvolvimento, mas também ao fortalecimento das pessoas e das instituições, tudo conforme as lições aprendidas. O PM DST/aids monitora os sistemas de informação (banco de dados), de forma que se possa traçar o perfil da epidemia na cidade à luz também do Quesito Raça/Cor, assim, as informações que compõem este processo nos auxiliam na elaboração de políticas públicas. Além disto, desde 2007, há uma linha de trabalho já consolidada no PM DST/aids, que tem investido em construir redes de prevenção nas diferentes regiões da cidade, envolvendo diferentes atores no território dos serviços especializados, para alterar as relações entre os serviços e as comunidades tradicionais de terreiro, que por sua vez, concentram uma ampla quantidade de afrodescendentes, que devem ser ouvidos, para que assim, a gestão possa juntar os vários elementos deste debate e, aí sim, indicar novos rumos.

Agência de Notícias da Aids - Quais são os desafios em assumir o novo cargo e como pretende cumpri-los?

CM - O cargo de coordenador adjunto indica novos caminhos na gestão do Programa. Indica uma melhor organização das ações, uma outra dinâmica de trabalho, uma divisão de agendas, que é claro não será individual e estará conectada ao todo do PM DST/aids , inclusive no que tange às suas diretrizes e princípios. Isso não muda, uma vez que foi construído arduamente, a várias mãos, com o envolvimento da sociedade civil, um dos princípios do SUS, qual não abrimos mão. O desafio que está posto para o coordenador adjunto, é o mesmo que para os demais: implementar a política municipal de DST/aids. Não vejo diferença, já que não desenhamos modelos personalizados. Cumprir com as funções do novo cargo implicará em ter escuta qualificada, canais de comunicação com os diferentes atores e segmentos, flexibilidade, atenção às demandas, resolutividade em tempo hábil, além de avaliação constante e conjunta de todos os passos dados neste terreno. Nada disso é novidade para nós, e os vários anos de atuação nos diferentes movimentos sociais é o que nos credencia para tal momento, além das muitas lições que estão mantidas no cotidiano do nosso trabalho. Vale ressaltar, que uma vez na coordenação do Setor de Prevenção, este jeito de fazer já estava colocado e tinha o apoio dos técnicos. Já tínhamos uma relação anterior, portanto, o PM DST/aids da minha cidade natal não me é estranho.

Américo Nunes, presidente da ONG Instituto Vida Nova - Neste processo e atual conjuntura do distanciamento entre as ONGs da cidade de São Paulo, existe alguma proposta para potencializar a integração e ações sustentáveis?

CM - O acesso das organizações e movimentos ao PM DST/aids nunca foi interrompido e, aqui não tem como não citar por exemplo, a manutenção da Comissão Municipal de DST/aids enquanto espaço técnico-político, em momentos cruciais da cidade; a realização do "Seminário HIV/aids e Controle Social" em 2007, a Oficina de HIV/DST/aids, "Participação e Controle Social" em novembro de 2008 e, mais recentemente a 3ª Conferência Municipal, que tal como as anteriores, resultou um conjunto de resoluções que estão colocadas para os diferentes setores do PM DST/aids e deve orientar o diálogo e as articulações com as diferentes áreas da Secretaria e da Prefeitura em geral. Estamos acompanhando bem de perto a atuação do Conselho Municipal de Saúde, o Programa é membro presente no Conselho Municipal de Atenção a Diversidade Sexual e vem buscando cada vez mais, o diálogo intensivo com a sociedade civil organizada. A articulação com a sociedade civil, é uma espinha dorsal do PM DST/aids e todos os setores tem que estar disponíveis para diminuir as lacunas, promover a integração e a sustentabilidade de um processo de gestão democrático e participativo.

Araújo Lima, coordenador da ONG Espaço de Prevenção e Assistência Humanizada - Levando em consideração o histórico do senhor na sociedade civil, como vê o fato de, no município, haver deficiências em serviços especializados, faltar infectologistas e remédios básicos que também atingem as pessoas vivendo com HIV/aids?

CM - A Secretaria Municipal de Saúde tem se empenhado em resolver as questões que lhe são apresentadas e isso inclui, quadro de profissionais, medicamentos, e demais condições conforme as diretrizes do Sistema Único de Saúde. Os serviços da Rede Municipal Especializada estão atentos, as Coordenadorias Regionais de Saúde estão atuando localmente e estes atores, juntos agregam esforços para prover a atenção necessária à saúde da população, mesmo com as dificuldades que se apresentam numa cidade com a dimensão de São Paulo.

Mário Scheffer, presidente do Grupo Pela Vidda/SP - A Prefeitura está expandindo o modelo de gerenciamento das Organizações Sociais (OSs) nas unidades de saúde do município de São Paulo. Os serviços de HIV e aids funcionarão sob este sistema?

CM - Nesse atual momento da cidade, a presença de parceiros no cotidiano do serviço público tem se configurado como modelo de gerenciamento, já experimentado e existente no Estado de São Paulo há alguns anos. No município, as parcerias com as OSs tem se dado inicialmente na rede básica e hospitalar, ainda não há previsão quanto à inclusão dos serviços de atenção secundária.

Mário Scheffer - O que o programa municipal tem feito para conhecer a real prevalência da infecção pelo HIV em populações vulneráveis, a exemplo dos homossexuais masculinos?

CM - É premissa do PM DST/aids a produção de conhecimento e informação E o embasamento teórico-científico deve se fazer presente na condução das ações e da política. O PM DST/aids dará início a uma pesquisa de prevalência da infecção por HIV em populações vulneráveis, conforme definido nas oficinas de elaboração do PAM (Plano de Ações e Metas) 2010.



Redação da Agência de Notícias da Aids
Dica de Entrevista
Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo
Tel.: (0XX11) 3397-2192

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