sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Elas morreram de parto



Olhe bem para estas jovens mulheres. Elas são o retrato de uma vergonha brasileira: o alto índice de mortalidade materna

ELIANE BRUM E CRISTIANE SEGATTO
MARINA CARNEIRO25 anos - Porto Alegre, RS
Quando a mãe não voltou para casa, Alice tinha muitas perguntas. “Cadê minha mãe? Onde está o bebê? Por que minha mãe não volta?” Depois de ouvir as respostas, parou de falar. Tentava, mas não conseguia. Quando conseguia, gaguejava. Com Alice foi assim: primeiro perdeu a mãe, depois as palavras. E só tinha 5 anos. Outros cinco se passaram. E Alice perdeu mais. Um ano de escola, porque não falava direito. O pai construiu uma nova família e quase não a vê. A avó ficou doente e não pode mais trabalhar como doméstica. No ano passado, mais uma filha morreu, ela passou a criar outro neto. Quem sustenta a todos é a bisavó, de 77 anos. Alice hoje tem 10. E uma vida que já não cabe em palavras.
Alice da Silva Pimentel, a menina de olhos tristes de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, está no centro de um julgamento internacional. No banco dos réus, o Estado brasileiro. A morte de sua mãe, Alyne, foi levada ao Comitê da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (Cedaw), das Nações Unidas. O Brasil é o primeiro país no mundo julgado por um caso de morte materna. Tem até 16 de julho para explicar por que deixou a mãe de Alice morrer, aos 28 anos de idade e aos seis meses de gestação. É um julgamento moral e político, o que na diplomacia se chama de “the power of embarrassment” – e que pode ser traduzido por “o poder do constrangimento”.
Evitar que mulheres morram ao dar à luz é hoje o drama do Brasil. O índice de mortalidade materna é um dos melhores parâmetros para avaliar a qualidade da saúde de um país. Quando muitas mulheres perdem a vida durante a gestação, no parto ou nos 42 dias seguintes a ele – o critério técnico que define morte materna –, é sinal de que todo o sistema de saúde funciona mal. Mulheres jovens em pleno exercício da função natural de ter filhos não deveriam morrer. Principalmente com a tecnologia disponível em 2008: exames precisos, cirurgias modernas, antibióticos potentes. Qualquer morte é uma tragédia. Nesse caso, o escândalo é maior porque mais de 90% dos óbitos poderiam ter sido evitados.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI4930-15280,00-ELAS+MORRERAM+DE+PARTO.html

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