Se você me nega, eu me assumo. O direito à saúde e a busca por justiça social.
Começo este texto perguntando a você leitora, a você leitor, o que entende por saúde. Se me responder saúde é qualidade de vida e cidadania, é um direito de todos e todas, é ter acesso aos bens e aos serviços que atendam minhas necessidades básicas enquanto ser humano, é o resultado das minhas condições de vida, moradia, educação, alimentação e de trabalho, que é um elemento importante para que eu me desenvolva como ser humano, para que o meu pais cresça e se desenvolva ou algo semelhante, vou te dizer é isso aí. Saúde é tudo isso, e um pouco mais.
Começo este texto perguntando a você leitora, a você leitor, o que entende por saúde. Se me responder saúde é qualidade de vida e cidadania, é um direito de todos e todas, é ter acesso aos bens e aos serviços que atendam minhas necessidades básicas enquanto ser humano, é o resultado das minhas condições de vida, moradia, educação, alimentação e de trabalho, que é um elemento importante para que eu me desenvolva como ser humano, para que o meu pais cresça e se desenvolva ou algo semelhante, vou te dizer é isso aí. Saúde é tudo isso, e um pouco mais.
Se voltarmos um pouco na historia veremos que, no cenário internacional, a saúde é apresentada como direito desde a década de 60 (Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), entretanto, no cenário nacional ela só se constitui em um direito de todos e todas quando da promulgação da Constituição Federal - em 1988.
Ao instituir a saúde como direito de todos e todas e dever do Estado, o Brasil se obriga a formular e executar políticas sociais e econômicas com vistas à redução do risco de doença e outros agravos, acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, com garantia de que as necessidades e demandas da população sejam contempladas da melhor forma possível. É neste cenário que a saúde passa a integrar o sistema nacional de seguridade social e que a política de saúde se constitui numa política de direitos. É assim, e com estes objetivos, que se concebe o Sistema Único de Saúde (SUS).
Para fazer valer os princípios constitucionais, o Estado brasileiro estabelece que a universalidade, integralidade, eqüidade, controle social e descentralização devem ser os alicerces do SUS, ou seja, se compromete a garantir "tudo, para todas e todos, de acordo com as diferentes necessidades, partindo de uma construção democrática e descentralizada".
Desde a 8ª Conferencia Nacional (1986), as diretrizes para o agir em saúde levam em consideração o fato de as condições de saúde das pessoas, e das populações como um todo, serem determinadas por fatores biológicos e sociais de ordem econômica, ambiental, política ou cultural. Naquele momento histórico, os avanços nas discussões sobre saúde e direitos não contemplavam o fato de negros e negras acumularem desvantagens no acesso aos benefícios das ações do Estado, de suas instituições e organizações e, por conseqüência, apresentarem experiências desiguais em nascer, viver, adoecer e morrer.
A luta por dignidade e justiça social são premissas da luta por direitos, da luta pela vida empreendida por homens e mulheres membros de grupos historicamente discriminados, com atenção especial para os empreendimentos de negras e negros. Nesse sentido, cabe aqui um parênteses para que as mais jovens e os mais jovens tenham informações básicas sobre os caminhos percorridos na construção do campo saúde da população negra.
Arrombando portas
No inicio da década de 90 o movimento de mulheres negras, que já tinha o direito à saúde como uma de suas prioridades de luta, impulsiona as discussões sobre direitos sexuais e reprodutivos, considerando que o racismo e o sexismo imprimem marcas diferenciadas no exercício desses direitos. Em 1995, negros e negras apresentam uma serie de demandas ao governo federal por ocasião da Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida. Em resposta a algumas destas demandas, em 1996 o Quesito Cor é incluído nas declarações de nascidos vivos e de óbito e passa a constar nos sistemas nacionais de informação sobre mortalidade (SIM) e nascidos vivos (SINASC). Também foi uma conquista importante a introdução do Quesito Cor nos dados de identificação dos sujeitos das pesquisas (resolução nº. 196/96, que versa sobre as Normas de Ética em Pesquisas envolvendo Seres Humanos).
A significativa participação da sociedade civil e do governo brasileiro na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (África do Sul, 2001) ampliou o debate público sobre a questão racial e intensificou as discussões sobre como o setor público poderia estabelecer compromissos mais efetivos e sustentáveis com o combate ao racismo e às desigualdades dele decorrentes.
Em resposta às demandas da sociedade civil, acontece em Brasília, em dezembro de 2001, o Workshop Inter-Agencial de Saúde da População Negra, do qual participaram estudiosas sobre desigualdades raciais em saúde, ativistas e especialistas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/PNUD, Organização Pan-Americana de Saúde/OPAS e Ministério do Governo Britânico para o Desenvolvimento Internacional/DFID. Naquela ocasião foi elaborado o documento Política Nacional de Saúde da População Negra: uma questão de eqüidade, que se estrutura em quatro componentes interdependentes: produção de conhecimento científico; capacitação dos profissionais de saúde; informação da população; e atenção à saúde. Para além dos investimentos na área da saúde, e atentos às potencialidades daquele momento, DFID e PNUD desenvolveram um trabalho conjunto que resultou na formulação do Programa de Combate ao Racismo Institucional/PCRI, cujo principal objetivo é fortalecer a capacidade do setor público na identificação e prevenção do racismo institucional e a participação das organizações da sociedade civil no debate sobre políticas públicas racialmente eqüitativas.
Buscando garantir um ambiente mais favorável
No inicio de 2003, foi criada a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial/SEPPIR, e em novembro do mesmo ano esta Secretaria firma um Termo de Compromisso com o Ministério da Saúde, onde se reconhece que, para a efetivação do princípio da eqüidade, o racismo deva ser considerado como um dos determinantes sociais das condições de saúde e que também devam ser considerados os processos de vulnerabilização aos quais estão expostos os diferentes segmentos populacionais, com destaque para a população negra.
Ainda em 2003, negras e negros participam da 12ª Conferencia Nacional de Saúde (2003) e garantem a aprovação de mais de 70 deliberações que contemplam a perspectiva racial, de gênero e geração e que se apresentam permeadas pelos princípios da não discriminação em relação à orientação sexual, filiação religiosa, porte de alguma doença e/ou limitação. Para que se compreenda a importância deste fato, destacamos que as conferencias são eventos públicos, de caráter periódico, cuja principal função é a definição das diretrizes gerais da política de saúde. Organizadas pelos conselhos municipais, estaduais e nacional de saúde, as conferencias são os fóruns onde usuários e usuárias, trabalhadores e trabalhadoras de saúde, governo, prestadores e prestadoras de serviços e outros, discutem os grandes temas da saúde, tais como gestão, financiamento e recursos humanos. É neste espaço de participação e controle social que se deliberam os caminhos para a consolidação do SUS.
Em 2004, por meio de portaria ministerial, foi instituído o Comitê Técnico de Saúde da População Negra/CTSPN, composto por ativistas, pesquisadoras e pesquisadores e especialistas em saúde da população negra, representantes de todas as áreas técnicas do Ministério da Saúde e instituições a ele conectadas, bem como dos Conselhos Nacionais de Secretários Municipais e Secretários Estaduais de Saúde. Ainda em 2004, realiza-se o Seminário Nacional de Saúde da População Negra e a Conferência Nacional de Assistência Farmacêutica, onde se delibera pelo acolhimento das demandas relacionadas ao tratamento de pessoas com doença falciforme e pelo reconhecimento dos saberes, tradições e praticas da medicina tradicional e da fitoterapia empreendidas por sacerdotes e sacerdotisas das religiões afro-brasileiras.
Em 2005 realiza-se a Conferencia Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que destaca a importância estratégica dos avanços em saúde para a melhoria da qualidade de vida da população negra; a Conferencia Nacional de Ciência e Tecnologia onde se estabelece a sub-agenda Saúde da População Negra entre as prioridades para investimentos e pesquisas. Ainda nesse ano, membros do CTSPN contribuem decisivamente para o reconhecimento do racismo e das desigualdades sociais que dele decorrem, como fatores catalisadores do processo de vulnerabilização da população negra frente às DST-HIV/aids; para a inserção da perspectiva racial no Plano Nacional de Saúde; para a realização do estudo sobre diferenciais raciais em saúde cujos resultados foram apresentados por meio da publicação Saúde da População Negra no Brasil: contribuições para a promoção da equidade e para a analise dos dados apresentados na publicação Uma Análise da Situação de Saúde no Brasil - Atlas Saúde Brasil 2005. Para fechar o ano, durante a revisão do Plano Plurianual para 2006-2007 é aprovada uma linha orçamentária especifica para saúde da população negra, onde estão definidos valores para criação e/ou consolidação de redes, com especial destaque para a rede de religiões afro-brasileiras e saúde; ampliação da participação de negras e negros nos espaços formais de controle social; criação de comitês técnicos de saúde da população negra nos estados e em algumas capitais; realização do 2º Seminário Nacional de Saúde da População Negra.
Colhendo grãos de pólen
Em 2006 algumas conquistas foram consolidadas, com destaque para a regulamentação da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme; a Carta de Direitos dos Usuários da Saúde, que ressalta o direito de receber tratamento humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminação; a elaboração de peças para a sensibilização de profissionais de saúde quanto o tema combate ao racismo, a homofobia e as intolerâncias passaram a figurar nos debates sobre qualidade da atenção a saúde e formação permanente dos profissionais; foi garantida uma vaga para o movimento social negro no segmento usuários do Conselho Nacional de Saúde/CNS, entre outras.
A eleição para o período 2006/2009 aconteceu em agosto e na representação do Movimento Negro estão Articulação de Ongs de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Coordenação Nacional das Entidades Negras (CONEN) e Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB). Para garantir a participação e envolvimento de todas as pessoas eleitas, optou-se pelo rodízio de titularidade e suplência, como descrito no quadro ao lado.
Também conquistam representação especifica no CNS os(as) estudantes secundaristas, de graduação e pós-graduação e o movimento em defesa da livre orientação sexual e expressão de gênero. Alem destas novidades, é importante que as leitoras e os leitores ao mesmo tempo saibam que, pela primeira vez na historia do SUS, as/os representantes titulares de usuários, profissionais de saúde e comunidade cientifica, prestadores de serviço e entidades empresariais, vão escolher, por meio de voto direto, o presidente do Conselho. Isto deve acontecer em novembro ou dezembro. E tem mais, pelo que tudo indica, neste mesmo período, serão definidas as diretrizes para a política nacional de atenção integral a saúde da população negra e pactuadas as atribuições, competências e responsabilidades de cada esfera de governo para sua efetivação.
E importante lembrar que o principio da descentralização no SUS prima pela redistribuição do poder decisório, dos recursos e das competências quanto às ações e aos serviços de saúde entre as várias esferas de governo (federal, estadual e municipal). Aos municípios cabe maior responsabilidade na promoção das ações diretamente voltadas aos seus cidadãos e cidadãs.
Mas, afinal, no mundo real, quando estas mudanças poderão ser percebidas?
Se vocês me perguntarem se já podemos nos considerar satisfeitos e satisfeitas com as conquistas na área da saúde, eu lhes convido a pensar no que esta acontecendo no seu município, no seu bairro, na sua comunidade. E agora eu lhes pergunto: negros e negras das diferentes faixas etárias, residentes em localidades diversas estão mobilizados para exigirem o direito a saúde e a não discriminação? Estão apresentando suas necessidades aos serviços de saúde, exigindo que estas se transformem em demandas e que se estabeleçam novos processos de trabalho?
Os(as) profissionais responsáveis pela gestão da informação em saúde já produziram e analisaram diagnósticos de situação de saúde desagregando os dados por cor/raca/etnia? Estes dados já foram discutidos com os(as) colegas? Caso tenham sido identificadas desigualdades passiveis de serem evitadas e/ou de terem seu impacto negativo minimizado, estes dados já foram discutidos com a comunidade local? Já foram estabelecidas parcerias com outras áreas da saúde, com outros setores do governo local, com organizações não governamentais?
Os(as) gerentes dos serviços já definiram ações especificas para a identificação de atitudes, comportamentos e praticas racistas e discriminatórias nos seus espaços de trabalho? Já foram construídas estratégias para a abordagem dos temas relacionados ao racismo, às desigualdades de gênero e as condições de saúde de usuários(as) e de trabalhadores(as)? Já foram definidos indicadores para monitorar possíveis mudanças e avaliar resultados?
Já se buscou tornar evidente o impacto diferenciado das ações do governo junto aos diferentes segmentos populacionais? As autoridades, os tomadores de decisão, reconhecem que o racismo institucional existe e que sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pela ação do Estado, das instituições e organizações? Reconhecem que se o combate ao racismo institucional não for adotado como um objetivo estratégico não haverá efetividade, eficácia e eficiência em sua gestão?
É isso. Na pratica ainda há muito por fazer. Temos que ampliar esta discussão. O direito a informação também é um direito humano.
Todas e todos precisam se envolver. Faça a sua parte.
Estamos num momento de transição. É preciso que estejamos mobilizados e que tenhamos nitidez em relação àquilo que pretendemos alcançar.
Pela vida e em defesa do SUS participe do DIA NACIONAL DE MOBILIZAÇÃO PRÓ-SAUDE DA POPULAÇÃO NEGRA, 27 de outubro.
Diga não à discriminação e a intolerância. Exija seus direitos: combata o racismo.
Entre em contato com a secretaria nacional de mobilização instalada na ONG CRIOLA. Fone: 21. 25186194 ou 21. 9493699. E-mail: controlesocial@criola.org.br ou mguimar@uol.com.br
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